terça-feira, 22 de julho de 2008

Tem coisas que só o jornalismo faz por você



Lembro de estar na sala de minha casa, em um condomínio em Salvador, devia ter uns 5 anos de idade. A televisão estava ligada no Jornal Nacional. Diferentemente do que acontecia todas as noites, meus pais e meus irmãos não estavam na sala acompanhando o telejornal. Costumava ser um momento de reunião da família, até por que os filhos, ainda pequenos demais, pouco queriam saber do jornal. O pai pedia silêncio enquanto ouvia as notícias e nos intervalos a bagunça era permitida. Nesse dia, não lembro bem a razão, mas estávamos só eu e minha mãe, ela na cozinha e eu na sala. Foi aí que aconteceu a cena que se tornou a primeira lembrança que tenho da vontade de ser jornalista: eu ali, sentada em frente à TV, comecei a imitar o que a apresentadora falava, repetindo frase por frase, tentando acertar também na entonação e nos trejeitos.

Não sei se foi naquele instante que decidi ser jornalista. Provavelmente, não. Mas de fato, me lembro do fascínio que sentia quando via reportagens, telejornais, apresentadores de televisão. Naquela época, pelos anos de 1988, jornal, rádio ou revistas ainda não existiam para mim. Alguns anos depois, outra lembrança. Estava na sexta ou sétima série, nas aulas de redação. Como nunca gostei de matemática ou física, nem mesmo de educação física, sabia que jamais poderia ser médica ou engenheira. Gostava das aulas de história e redação, e começava a saborear o gostinho de um texto bem escrito. Foi em uma dessas aulas que li “A velhinha de Taubaté”, de Luis Fernando Veríssimo. Depois, me recordo de “Capitães de Areia”, de Jorge Amado, forte e irresistível. O prazer daquelas leituras e o humor do texto de Veríssimo provocaram o meu gosto pelas palavras. E a cada encontro como aqueles, com textos e histórias contadas brilhantemente, a vontade de ser jornalista foi se manifestando. Embora um escritor não seja, necessariamente, um jornalista, creio que um bom jornalista tem algo de escritor.

Ainda diziam que eu seria advogada, uns vizinhos ou parentes, tão respondona e cheia de argumentos que era. Vou fazer jornalismo - respondia sem hesitar à pergunta que faziam sobre o vestibular. Quando entrei para o Ensino Médio, minha família se mudou para uma cidadezinha de Santa Catarina. Veio o vestibular, sem que eu tivesse uma só vez me questionado com relação à minha escolha profissional. Passei, fui morar em Porto Alegre e cursar a Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Cheia de idealismos, de opinião e alheia à rotina do mercado, cheguei sem saber o que realmente faz um jornalista. Não sabia quanto ganha um profissional, como funciona uma redação, que existe um editor, uma área comercial nas empresas, que existe assessoria de imprensa.

Durante a faculdade, fiz estágios, passei por edição de vídeo, impresso, assessoria de imprensa e rádio, morei fora do país. Conheci jornalistas maravilhosos, profissionais que engrandecem a profissão e outros que, pelo contrário, a desmerecem. Descobri que o jornalismo não é exatamente o que eu pensava, mas que fiz a escolha certa. Porque o mundo da comunicação é fascinante, porque o jornalismo nos proporciona o contato com diversos mudos – da política às artes, da agricultura às cidades (como diz a Bibi, “tem coisas que só o jornalismo faz para você. Para todas as outras, existem Mastercard”). Jornalismo é aventura e, ao mesmo, tempo, frustração pela busca infinita da melhor representação do real.

Ser jornalista é quase um estado de espírito, e não apenas um ofício, daqueles que a pessoa vai o trabalho, cumpre suas funções, termina o expediente e volta para casa. A gente “vira” jornalista e não consegue mais separar a “pessoa jurídica” da “pessoa física”.

2 comentários:

  1. Ahhhhhh! Coisa linda. As lágrimas quase escorreram rosto abaixo. Por que tu nos privou por tanto tempo de ler essas maravilhas? Ótimo texto.
    Eu sempre fui fã de Tatiana Lemos.

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  2. Outra coisa: "o que não mata, vira posta". Adorei. E vou adotar este lema para atualizar o meu blog com uma frequência minimamente aceitável.

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