segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Relato de uma fã indigna


Estava ali no tablado, que não era feito de ouro e prata. Nem de filó de nylon.
Era o comício do candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, na Lapa. Caía um toró e a gente lá com a missão de filmar e conseguir imagens bacanas para uma matéria.
“A noite, a chuva que cai lá fora” e o trampo todo me distraíram da esperança de encontrá-lo por ali. Possibilidade rara já cogitada por meu coração vagabundo.
Cuidava os passos do candidato na antessala do palanque, “de onde mal se vê quem sobe ou desce a rampa”.
Já fazia um tempinho que estava por ali, sem sobressaltos. Nada vi.
Foi quando Freixo chamou uma moça e disse que queria lhe apresentar alguém. Pegou-a pelo braço e mostrou o homem. Abraçaram-se. E eu vi, por cima do ombro da moça, o rosto do abraço.
“Arrastando meu olhar como um ímã”.

Era ele!
“Parece bobagem mas não era não
Eu não decifrava, eu não conseguia
Mas aquilo ia e eu ia e eu ia e eu ia e eu ia e eu ia
Eu me perguntava”:

Caetano Veloso?!

Já faz bem uns 3 anos que ando numa fase muito fã (antes amava mais o Gil, confesso). Cada trimestre, uma canção. Pirei com o álbum Zii e Zie- MTV Ao Vivo. A música da vez é “A voz do morto”, tocando e retocando sem parar, gamada nas citações de “cole na corda” e kuduro. Que progressista! Pós-moderno!

“Mas alguma coisa acontece no quando agora em mim”. Como uma tiete descabida de Justin Bieber, me descompus. Sem dignidade, paralisei primeiro, para depois tremer inteira.

Tira uma foto comiiigooo?! (humpf!)
O colega repórter ao lado veio em meu socorro, se oferecendo para tirar uma foto. Gringo, nem conhecia o Caê, mas entendeu a gravidade. Disse “não, não consigo” pra logo em seguida dizer “sim, por favor!”.  E saí algariada.

Queria dizer algo legal, tipo “onde pisas o chão, minha alma salta”, mas saiu um atropelo de besteiras que começou após o “você tira uma foto comigo também?” - soubaianatambémtôaquitrabalhandofazendoumamatériapara umatvchinesatenteiserprofissionalmasnaodeu -
e não terminou mais – nem quando ele perguntou “comé seu nome”, nem quando a foto foi tirada.

Pronto. Passaram os segundos e eu nem curti Caetano.
Eu nervosa = falação ininterrupta e sorrisos bobos.
“Desde que o samba é samba é assim”...
Cabô.
“De perto
Fomos quase nada”

Fã indigna de seu ídolo! Fiquei ali me desprezando feliz, com a foto na mão. Ele “sumiu na praça a tempo, caminhando contra o vento sobre a prata capital”.


Que cara é essa, Tatiana? Cara de quem tá falando sem parar
                                   
                             ... para desentristecer, leãozinho... 


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sentença

Passando aquele portão, não há vida.

Não há contas a pagar, trânsito, novela, aquecimento global, iphone, facebook, almoço de domingo, rotina. Não há volta pra casa.
Enquanto o relógio corre aqui fora, lá dentro só linha reta infinita. Paredes largas, eco, corredores, vozes ferozes, aberturas sem janelas.

****

Não é uma prisão qualquer. Na Penitenciária de Segurança Máxima não há celas cheias nem distrações. Há uma pessoa cercada por paredes brancas, uma pequena abertura por onde entram comida e vozes, um buraco para o calor e o frio.

E uma estrutura gigantesca e cara mantida pelo Estado para garantir que aqueles lá fiquem longe da vida aqui.

Depois de passar por dezenas de processos de segurança para adentrar a penitenciária, acabei me distraindo da ideia de que era uma prisão, um lugar de criminosos, de sofrimento. Até que me deparei com aquele corredor escuro.

Antes de ir, pensei que pudesse sentir medo, talvez repulsa. Mas vi pela janela estreita da cela um olhar de dor, uma solidão pesada e fria como as portas de ferro.

O que senti foi uma profunda compaixão.

****

Quase todos os detentos lá são acusados de crimes graves, muitos traficantes, assassinos. Não duvido que todos (ou quase todos) mereçam estar lá. Devem, sim, cumprir suas penas até o fim.

Mas não deixa de ser triste ver uma vida condenada a 30 anos “de nada”.
Criamos masmorras para isolar pessoas capazes das maiores atrocidades.

A essas pessoas foi imposta a pior pena que se pode receber, mesmo em uma prisão que leva em conta os direitos humanos:

A sentença de ficarem sozinhas, sem distrações e companhias, com todo o tempo do mundo para pensar em tudo o que foi e no que não pode mais ser. Isoladas de tudo e todos, com breves momentos de contato com poucos familiares. Tendo que exercer a obediência absoluta, a total falta de privacidade.
Nenhuma liberdade.

***

Visitei essa prisão para uma matéria sobre um projeto que foi implantado lá, cujo objetivo é incentivar a leitura entre os presos. Eles ganham o direito de reduzir alguns dias de suas penas conforme as obras que leem e as resenhas produzidas.

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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Avesso do avesso


Três anos em São Paulo.

A cada ano que passa sinto vontade de prestar uma nova homenagem a Sampa - para que fique registrado esse amor platônico, muitas vezes incompreendido e passageiro (tenho consciência disso).

Odeio o trânsito dessa cidade, detesto precisar de 1 hora para chegar ao trabalho quando normalmente apenas 25 minutos seriam necessários. E as filas! Nada me tira mais do sério. Pior que isso talvez sejam os preços absurdos e a escravidão que o dinheiro nos impõe.

Odeio tudo isso, mas amo essa cidade. Quando tento defender, sempre perco em argumentos. Paixão é mesmo irracional.

Um tio me explicou uma vez, quando eu tentava decifrar o que é tão bom aqui, que “há mais possibilidades no caos”.  Pode ser.

A astróloga que fez meu mapa astral também me deu uma dica: escorpinianos preferem o submundo. Lidamos melhor com ambientes inóspitos. Ah... Deve ser por isso que não me seduziram a perfeição e organização europeia...

Mas, afinal, o que eu amo? Coisas pequenas, mas muitas (não necessariamente nessa ordem):

1.       Amo o inverno seco e nem tão frio, amo o verão não muito quente (ok, lá na minha área não tem enchente, reconheço)
2.       Amo a feijoada de quartas e sábados
3.       Amo a vida do bairro: com feirinhas, praça, padarias
4.       AMO as padarias e as coxinhas!
5.       Amo ter amigos paulistas, gaúchos, baianos, alemães, ingleses... todos na mesma cidade
6.       Amo as experiências profissionais que essa cidade me proporciona. Aqui não é preciso ter um mega emprego para fazer coisas bacanas
7.       Amo estar pertinho do Rio de Janeiro e poder pegar voos por 80 reais para Salvador!
8.       Amo acordar sábado de manhã e ir com o Rafa fazer yoga “de grátis” no parque perto de casa (sem filas!)
9.       Amo estar num local de passagem para muitos amigos de diversos lugares. São Paulo é um lugar de reencontros
10.   Amo descobrir cantinhos novos e coisas diferentes
11.   Amo a minha casa.  Para onde quer que eu vá daqui para frente ela será sempre “a nossa primeira casa”

terça-feira, 24 de julho de 2012

A liberdade em cada um


Said começava cada fala com uma pausa e uma pergunta. Ouvia, fazia um breve silêncio e questionava o interlocutor sobre o tema que, logo a seguir, seria seu.

Ele é um jovem saudita que conheci com roupas “ocidentais” em uma aula de inglês no Canadá. Como muitos outros que estudam naquele país, quase sempre custeados pelo governo árabe, ele trocou a roupa de sua cultura para conviver com costumes e ideias muito diferentes dos seus.

A aula de atualidades tinha o objetivo de promover uma conversação sobre temas contemporâneos e, nesse dia, o conflito na Síria tomava todos os noticiários. Dessa forma, não demorou muito para que o papo se voltasse para a questão “árabes x liberdade”.

Estávamos sentados um de frente para o outro, com o professor na cabeceira da mesa. Após o silêncio, Said me perguntou o que eu achava do islã.

Respondi que não sabia muita coisa sobre a religião. Podia imaginar que havia muitas distorções, assim como na Igreja Católica, mas confessei que me incomodam os abusos e a forma como as mulheres eram tratadas.

Ele assentiu com a cabeça, me fitando diretamente. Com voz suave e pausada, inspirando mais sabedoria do que se poderia supor de um jovem de 20 anos, perguntou:

- Você sabe qual é a palavra que mais aparece no Alcorão?

- Não.

- FREEDOM.

E emendou um discurso sobre liberdade com a autoridade daqueles que dela são privados. Said explicou que a religião está nas mãos do poder e de pessoas que não seguem as palavras do Profeta.

Explicou ainda que a forma como as mulheres são tratadas também não condiz com os ensinamentos do livro sagrado.

Perguntei a ele por que pensava assim.

- Porque eu li. Ninguém me disse. Estudei literatura árabe e li todo o livro sagrado, muitas pessoas não leem ou apenas enxergam aquilo que lhes é imposto. Dezenas de pessoas podem ler a mesma frase e cada uma terá uma interpretação diferente. Então, muitos acreditam naquilo que lhes dizem para acreditar.
(pausa)
Isso que estou falando aqui eu jamais falaria no meu país. Nem mesmo aqui, no Canadá, dentro da casa onde moro com outros árabes.

- E sua família?, perguntei.

- Meus pais também não pensam como eu. São tradicionais.

- E você veio de uma cultura tão diferente, como consegue entender tão bem a nossa cultura e ver a sua com esse distanciamento? Você mudou quando saiu de lá?

- Não. Eu sempre soube entender o outro.

********

Said é o mais novo de uma família de quatro irmãos. Consigo imaginá-lo com seus trajes árabes, túnica branca, turbante. Todos se movendo na mesma direção ao seu redor e ele calando seus ideais libertários e sua compreensão de mundo perigosos em seu país.

Jovens como Said são produtos de sua cultura e, ao mesmo tempo, são o oposto dela. Nos olhos dele eu vi a mudança que talvez corresponda ao que chamam de Primavera Árabe.

É algo muito mais sutil do que os levantes que tomaram Líbia, Egito, Síria. Na Arabia Saudita não houve rebelião. A razão, suponho, é que o Estado garante aos cidadãos uma vida digna, saúde, estudo e trabalho - apesar de tudo. Ouvi isso de uma outra colega árabe, que considera o seu país muito melhor do que “o nosso”.

- Lá não tem ladrão, drogas, pobres. Não gastamos dinheiro com gasolina ou médico – disse.

Said, claro, replicou. Ela olhava como se não conseguisse entender sobre o que ele falava.
Liberdade.

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A revolução começa dentro de uma pessoa até que sejam várias. É quando, por alguma razão, as gerações seguintes começam a ver o mundo de uma forma diferente dos seus pais e antepassados.

A sabedoria de Said emociona porque é genuína, veio costurada em sua alma como um gene que o torna diferente. Um vírus que pode ser contagioso e contaminar com palavras.

Quando Said terminou seu discurso, eu e o professor nos olhamos como quem sai de um transe.  Sabíamos que estávamos diante de uma pessoa especial. Tivemos uma oportunidade incrível de ouvir a história em carne viva sobre fatos que observamos na mídia em forma relatos distantes e sem cor.

Transbordei de gratidão pela vida, pelas experiências. Deve ter sido num momento como esse que Quintana escreveu:

“Viajar é trocar a roupa da alma”.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Te mataré Ramirez, em Buenos Aires

Uma das coisas mais bacanas de Buenos Aires (assim como SP e outras megacidades) é que  cada bairro tem uma personalidade, um cantinho a descobrir, um mistério. Apesar de sempre recorrer a livros de viagem e revistas quando vou conhecer um lugar, nunca me prendo a roteiros e dicas dos outros – o legal é sempre estar aberta às próprias descobertas.

Dessa vez, descobri um restaurante muitíssimo original no bairro Palermo Soho, em Buenos Aires, que já pode até ter saído em alguma publicação especializada.  Mas eu só encontrei lá mesmo, fuçando revistas dos hotéis.


“Te mataré Ramirez” arrebata qualquer um. Aviso: melhor ir em casal, pois pode ser meio estranho passar por essa experiência com uma amiga ou parentes.

Foto: Tatiana Lemos

Explico: trata-se de um restaurante afrodisíaco, com ingredientes muito picantes que vão além da comida. 

Começando pelo cardápio. Uma janta completa poderia ficar mais ou menos assim:

Salada:

“Gritas extasiada mientras pides penetracíon”

Entrada:

“Sabrosa, te hiendes como fruta madura”

Prato principal:

“Arranco el goce de tu tibio tesoro con mi lengua encendida”


E nem precisa entender espanhol para perceber que os nomes dos pratos no cardápio são bem sugestivos...

Pobre Ramirez... Ainda tem a sobremesa e um bom vinho argentino.

A decoração é outra atração do “Te mataré”. Com estilo cabaré chique, é todo decorado em vermelho e preto, iluminado de uma forma bem aconchegante e tem um palco rodeado por uma daquelas pesadas cortinas vermelhas de veludo, onde acontece o melhor da noite.

Foto: Tatiana Lemos
Rola um show erótico com bailarinas e um bailarino (viram, não são machistas...) que é um espetáculo singular.

Não é um streap comum e não tem nada de vulgar. É um show de verdade, com profissionais de balé e dança moderna, misturando teatro e erotismo de uma forma muito artística.

Tudo bem que eles ficam pelados mesmo. E, sim, é muito sensual. Mas tudo com um bom gosto incrível, sem ser apelativo.

A direção artística da casa é tão boa que, após o show, rola uma projeção de curtas sobre sexo, com filmes de todo o mundo. A programação não é sempre a mesma, mas vale muito a passada.

Foto: Tatiana Lemos
O preço é meio salgado, cerca de 500 pesos argentinos a refeição com vinho, por casal. Mas tem uma dica: dá para entrar no site e imprimir um cupom com 30% de desconto válido para reservas.

Só posso dizer uma coisa para quem vai à capital portenha acompanhado: “Te mataré Ramirez” é imperdível.

terça-feira, 6 de março de 2012

Mulher é metafísica - Da série “Mães” 2

Estávamos no fumódromo, durante o intervalo da banda. Fomos só pegar um ar, fofocar longe dos homens, mas diante de tantos fumantes ela não resistiu. Pediu um cigarrinho de alguém e foi contando que tinha deixado de fumar durante a gravidez, mas que, de volta à noite e à cervejinha, era irresistível.

Foi um dos “retornos” mais rápidos que presenciei, comentei. Não me refiro ao cigarro, mas à vida social noturna. O bebê de 6 meses havia ficado em casa com uma babá contratada uma vez por semana, justo aos sábados, com o único propósito de fazer o casal voltar a ter tempo para si e para os amigos.

Elogiei a animação da Lu (nome fictício), com certo espanto. Ela não aparentava o cansaço de noites mal dormidas e parecia tranquila com a decisão de deixar o bebê em casa. Explico: conheço mães de primeira viagem como ela que quase surtaram nas primeiras saídas sem o baby, e outras até interromperam o programa pela metade, sem conseguir relaxar e curtir.

Como o bebê mamou apenas um mês no peito (por falta de leite, não por escolha da mãe), ela pôde voltar logo a tomar sua cervejinha - vamos combinar que sair pra noite sem beber só pode dar sono mesmo! 

Segundo a Lu, o menino também se acostumou a dormir satisfeito com sua dose de mamadeira. Sem apologia à mamadeira (aliás, ela sofreu muito por não poder amamentar mais), mas a minha amiga-mãe acha que o fato de ele não ter mamado o deixou mais “independente” também.

Diante da minha admiração, ela tratou de explicar: “não, não é assim tão fácil”.

Se agora ela já está de volta ao trabalho e à vida social, conseguindo lidar com a saudade após 4 meses de grude absoluto com o bebê, a gravidez foi a parte mais difícil. No caso dela, diferente de uma outra amiga que sofreu com depressão pós-parto, o problema veio durante a gestação.
A Lu teve hipertensão, engordou bastante, teve depressão e precisou tomar remédios para controlar a doença durante um período. Durante consulta com sua psiquiatra, falando das dificuldades, tristezas e culpas dessa fase, ouviu o seguinte da especialista:

“Existem dois tipos de mulheres: 10% nasceram mesmo para ser mães e de fato não têm problemas em engordar, parar de trabalhar, etc. As outras 90%, mentem”.

O que ela quis dizer é: sim, você ama seu filho, quis muito engravidar, está feliz e, ao mesmo tempo, sofre com as mudanças. Você não foi “treinada” para ficar 24h por dia em casa e pode, sim, sentir tristeza, ainda que repleta de amor. Contraditório, sim. Mas não, você não é a única.  

Para completar, ela conta que resolveu fazer sessões de drenagem linfática e aproveitou uma visita de sua mãe, a avó, que ficaria em casa com o neto e uma empregada. Ela achou que poderia sair tranquila, mas acabou ouvindo uma crítica forte da própria mãe:

“Eu nunca teria feito uma coisa dessas. Sair pra fazer massagem e deixar o filho SOZINHO em casa, nessa idade”.

Não que a mãe dela fosse uma megera, mas talvez seja de uma “safra” de mães que tenham abdicado muito da mulher em nome da mãe. Talvez fosse mais fácil assim, ou não.

Cada geração tem seus conflitos e dilemas, mas creio que a palavra CONCILIAR é o grande desafio das mães modernas. Aí é que tá.

Ser super-mãe, bonitona e profissional é o que todas querem. E deve dar um puta trabalho! Imagino que seja impossível atingir esse ideal completamente, e aí vem a culpa.

O que é certo? Ser mãe e ponto, se libertando pelo menos por um tempo das obrigações estéticas e profissionais, ou ser mãe sem deixar de lado a mulher, apesar dos sacrifícios impostos?

Acho que a resposta da psiquiatra seria:
Não sei.

Cada uma vai precisar descobrir quando chegar a sua vez.

E o mais fascinante disso – aqui da minha confortável posição de observadora das amigas-mães – é que a complexidade de ser mulher nos leva sempre de volta para dentro de nós mesmas.

Sim, somos complicadas mesmo, somos mentes e corpos intempestivos, repletos de ventanias e trovões. E é nessa busca pelas mulheres dentro de nós que chegamos ao nosso ápice.



sábado, 3 de março de 2012

Amor e dor – Da série “Mães"


Devia estar feliz. 

Afinal, mães são perfeitas. Semideusas misteriosas, que compartilham com a natureza o dom de gerar a vida.

Mas, enquanto o bebê chorava, permanecia sentada na cozinha, implorando ao marido pelo telefone que voltasse. Não podia pegá-lo do berço, não conseguia.

Ele era loiro, de olhos claros, sorria o sorriso sem dentes mais lindo que podia existir. Quis tanto aquele menino que, nos dias férteis, após a transa, corria para o banheiro disfarçada, pulava na banheira vazia e jogava as pernas para cima. Tinham lhe dito que nessa posição o espermatozóide chegava mais depressa ao óvulo faminto. Mas jamais admitiria fazer o truque na frente do marido.

 A mãozinha, ou melhor, o truque das pernas, funcionou. Ou seja lá o que quer que tenha feito aquele projeto de gente chegar ao seu destino para se tornar um filho.

O filho festejado pelo marido, pela família. O filho cujo rosto sonhou conhecer durante todos aqueles meses de espera.

Como podia sofrer tanto agora e amar com tanta força ao mesmo tempo?

Estava longe de casa, da família, dos amigos. Via-se como numa cena alheia, mais magra, esvaindo-se em  leite e lágrimas, encolhida.

Às vezes passava, aliviava-se em poder amar sem dor. Mas o medo voltava e o marido corria do trabalho para casa para socorrê-la.

Depressão pós-parto.

Claro que já tinha ouvido falar, talvez até tenha lido em alguma revista feminina a respeito. Mas a palavra       ‘depressão’parecia tão limitada diante desses momentos repletos de culpa, ansiedade, medo e amor...

****

Minha amiga terminou seu relato sobre sua difícil experiência desabafando: “eu nunca vi nenhuma mãe falar como é difícil. Estão todas sempre falando de como seus bebês são fofinhos, e tudo é lindo,  maravilhoso”. Creio que muitas não têm coragem de compartilhar o que consideram fracassos pessoais; melhor seguir o roteiro das mães felizes na frente das outras mães. E tem a culpa, quando nem pra nós mesmas queremos admitir o que sentimos.

Eu não sou mãe para saber, mas admiro a coragem dessa mulher na qual se transformou minha amiga de infância, que assume a sua dor e não esconde o que passou só porque agora, felizmente, tudo está bem.

Ela é uma de tantas mulheres incríveis, mães, que têm me confiado suas experiências. Não sei a razão de abrirem seu coração justo para mim, mas talvez  seja simples: porque não sou mãe, não vou julgá-las na obrigação de parecerem felizes. Tampouco sou suas próprias mães, que talvez dirão que tudo é besteira, que criaram 4 filhos sozinhas, sem empregada, e foi simples assim.

E, pelo que tenho ouvido, não é fácil mesmo. Parir um filho é fazer nascer uma nova mulher, um novo casal, sem se perder de si mesma.

Mas minha amiga não se perdeu. Se tratou, contou com o amor da família, de seu homem ( que também deve ter passado por momentos difíceis para segurar essa barra!) e ressurgiu mais dona de si do que nunca, linda, madura e, acima de tudo, a mãe que sempre sonhou ser.