terça-feira, 6 de março de 2012

Mulher é metafísica - Da série “Mães” 2

Estávamos no fumódromo, durante o intervalo da banda. Fomos só pegar um ar, fofocar longe dos homens, mas diante de tantos fumantes ela não resistiu. Pediu um cigarrinho de alguém e foi contando que tinha deixado de fumar durante a gravidez, mas que, de volta à noite e à cervejinha, era irresistível.

Foi um dos “retornos” mais rápidos que presenciei, comentei. Não me refiro ao cigarro, mas à vida social noturna. O bebê de 6 meses havia ficado em casa com uma babá contratada uma vez por semana, justo aos sábados, com o único propósito de fazer o casal voltar a ter tempo para si e para os amigos.

Elogiei a animação da Lu (nome fictício), com certo espanto. Ela não aparentava o cansaço de noites mal dormidas e parecia tranquila com a decisão de deixar o bebê em casa. Explico: conheço mães de primeira viagem como ela que quase surtaram nas primeiras saídas sem o baby, e outras até interromperam o programa pela metade, sem conseguir relaxar e curtir.

Como o bebê mamou apenas um mês no peito (por falta de leite, não por escolha da mãe), ela pôde voltar logo a tomar sua cervejinha - vamos combinar que sair pra noite sem beber só pode dar sono mesmo! 

Segundo a Lu, o menino também se acostumou a dormir satisfeito com sua dose de mamadeira. Sem apologia à mamadeira (aliás, ela sofreu muito por não poder amamentar mais), mas a minha amiga-mãe acha que o fato de ele não ter mamado o deixou mais “independente” também.

Diante da minha admiração, ela tratou de explicar: “não, não é assim tão fácil”.

Se agora ela já está de volta ao trabalho e à vida social, conseguindo lidar com a saudade após 4 meses de grude absoluto com o bebê, a gravidez foi a parte mais difícil. No caso dela, diferente de uma outra amiga que sofreu com depressão pós-parto, o problema veio durante a gestação.
A Lu teve hipertensão, engordou bastante, teve depressão e precisou tomar remédios para controlar a doença durante um período. Durante consulta com sua psiquiatra, falando das dificuldades, tristezas e culpas dessa fase, ouviu o seguinte da especialista:

“Existem dois tipos de mulheres: 10% nasceram mesmo para ser mães e de fato não têm problemas em engordar, parar de trabalhar, etc. As outras 90%, mentem”.

O que ela quis dizer é: sim, você ama seu filho, quis muito engravidar, está feliz e, ao mesmo tempo, sofre com as mudanças. Você não foi “treinada” para ficar 24h por dia em casa e pode, sim, sentir tristeza, ainda que repleta de amor. Contraditório, sim. Mas não, você não é a única.  

Para completar, ela conta que resolveu fazer sessões de drenagem linfática e aproveitou uma visita de sua mãe, a avó, que ficaria em casa com o neto e uma empregada. Ela achou que poderia sair tranquila, mas acabou ouvindo uma crítica forte da própria mãe:

“Eu nunca teria feito uma coisa dessas. Sair pra fazer massagem e deixar o filho SOZINHO em casa, nessa idade”.

Não que a mãe dela fosse uma megera, mas talvez seja de uma “safra” de mães que tenham abdicado muito da mulher em nome da mãe. Talvez fosse mais fácil assim, ou não.

Cada geração tem seus conflitos e dilemas, mas creio que a palavra CONCILIAR é o grande desafio das mães modernas. Aí é que tá.

Ser super-mãe, bonitona e profissional é o que todas querem. E deve dar um puta trabalho! Imagino que seja impossível atingir esse ideal completamente, e aí vem a culpa.

O que é certo? Ser mãe e ponto, se libertando pelo menos por um tempo das obrigações estéticas e profissionais, ou ser mãe sem deixar de lado a mulher, apesar dos sacrifícios impostos?

Acho que a resposta da psiquiatra seria:
Não sei.

Cada uma vai precisar descobrir quando chegar a sua vez.

E o mais fascinante disso – aqui da minha confortável posição de observadora das amigas-mães – é que a complexidade de ser mulher nos leva sempre de volta para dentro de nós mesmas.

Sim, somos complicadas mesmo, somos mentes e corpos intempestivos, repletos de ventanias e trovões. E é nessa busca pelas mulheres dentro de nós que chegamos ao nosso ápice.



sábado, 3 de março de 2012

Amor e dor – Da série “Mães"


Devia estar feliz. 

Afinal, mães são perfeitas. Semideusas misteriosas, que compartilham com a natureza o dom de gerar a vida.

Mas, enquanto o bebê chorava, permanecia sentada na cozinha, implorando ao marido pelo telefone que voltasse. Não podia pegá-lo do berço, não conseguia.

Ele era loiro, de olhos claros, sorria o sorriso sem dentes mais lindo que podia existir. Quis tanto aquele menino que, nos dias férteis, após a transa, corria para o banheiro disfarçada, pulava na banheira vazia e jogava as pernas para cima. Tinham lhe dito que nessa posição o espermatozóide chegava mais depressa ao óvulo faminto. Mas jamais admitiria fazer o truque na frente do marido.

 A mãozinha, ou melhor, o truque das pernas, funcionou. Ou seja lá o que quer que tenha feito aquele projeto de gente chegar ao seu destino para se tornar um filho.

O filho festejado pelo marido, pela família. O filho cujo rosto sonhou conhecer durante todos aqueles meses de espera.

Como podia sofrer tanto agora e amar com tanta força ao mesmo tempo?

Estava longe de casa, da família, dos amigos. Via-se como numa cena alheia, mais magra, esvaindo-se em  leite e lágrimas, encolhida.

Às vezes passava, aliviava-se em poder amar sem dor. Mas o medo voltava e o marido corria do trabalho para casa para socorrê-la.

Depressão pós-parto.

Claro que já tinha ouvido falar, talvez até tenha lido em alguma revista feminina a respeito. Mas a palavra       ‘depressão’parecia tão limitada diante desses momentos repletos de culpa, ansiedade, medo e amor...

****

Minha amiga terminou seu relato sobre sua difícil experiência desabafando: “eu nunca vi nenhuma mãe falar como é difícil. Estão todas sempre falando de como seus bebês são fofinhos, e tudo é lindo,  maravilhoso”. Creio que muitas não têm coragem de compartilhar o que consideram fracassos pessoais; melhor seguir o roteiro das mães felizes na frente das outras mães. E tem a culpa, quando nem pra nós mesmas queremos admitir o que sentimos.

Eu não sou mãe para saber, mas admiro a coragem dessa mulher na qual se transformou minha amiga de infância, que assume a sua dor e não esconde o que passou só porque agora, felizmente, tudo está bem.

Ela é uma de tantas mulheres incríveis, mães, que têm me confiado suas experiências. Não sei a razão de abrirem seu coração justo para mim, mas talvez  seja simples: porque não sou mãe, não vou julgá-las na obrigação de parecerem felizes. Tampouco sou suas próprias mães, que talvez dirão que tudo é besteira, que criaram 4 filhos sozinhas, sem empregada, e foi simples assim.

E, pelo que tenho ouvido, não é fácil mesmo. Parir um filho é fazer nascer uma nova mulher, um novo casal, sem se perder de si mesma.

Mas minha amiga não se perdeu. Se tratou, contou com o amor da família, de seu homem ( que também deve ter passado por momentos difíceis para segurar essa barra!) e ressurgiu mais dona de si do que nunca, linda, madura e, acima de tudo, a mãe que sempre sonhou ser.