sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A menina da foto


Não me lembro da menina que segura a galinha na foto. Me lembro sim da galinha, embora a memória seja tão pouco nítida que não me permita saber se era galo ou, de fato, galinha. Lembro do coqueiro, naquele pátio ensolarado, cheio de bichos, da casa em um bairro sem asfalto, na Bahia. Me recordo bem daquela saia rosa com manhchas coloridas, chamada de saia de lambada, usada até a última linha. Estranhamente, só não lembro da menina e deste dia em que ela segurava a galinha (ou galo), olhando para a foto tirada pelos avós. Estranho... porque a menina da foto sou eu.

Deve ter sido em 1992, talvez 91. Quando vi a foto, que estava há uns 16 anos guardada com a minha avó, me dei conta de que eu era o tipo de menina que segurava galinha no colo, dava beijo nos pêlos dos cachorros e não conseguia calçar um sapato. Criava fantasias no zoológico particular do jardim de casa - uma princesa presa em seu castelo de muros altos, conversando com os animais e representado para si mesma.

Muitas crianças fazem isso, é verdade. Mas como eu tinha esquecido de mim mesma? Por que aquela da foto me causou tanta estranheza? Acho que ela, a menina da foto, se visse uma foto de mim, neste ano de 2008, também ficaria em espantada. Naquela época, não sabíamos que a vida se encarrega de transformar a gente. E o faz incontáveis vezes.
Uma vida dentro da outra, assim é a vida. O triste é que, com o tempo, muitos desses pedaços felizes da nossa existência se tornam fotos esmaecidas, pouco reais. Momentos intensos, pessoas importantes, alegrias e tristezas - tudo resquícios de uma outra encarnação, tão distante que mal conseguimos lembrar.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Daquelas...

Sou daquelas que vira o pé na rua bem quando tem alguém olhando, mesmo usando chinelos. Derramo cerveja, vinho ou água, assim como palavras que, por vezes, não deveriam ser esparramadas. Não memorizo nomes e, pior que isso, reinvento as pessoas de acordo com a cara. Não sou discreta, nem elegante. Atravesso portas de vidro, bato de cabeça nos postes, falo sozinha e finjo que só estava cantando. Esqueço o presente no aeroporto, chego na festa de mãos vazias, pela contramão. Perco a mala, a calma, a cabeça, a razão. Impulsiva, salto do carro, me jogo na vida, vivo novela e choro no final. O extremo do final ao começo, por capítulos.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Na terra em que o mar não bate

A lembrança mais forte que tenho dos 15 anos em que vivi na Bahia é musical. Após quase 10 anos “ fora de casa”, às vezes parece que o passado está quieto, longe, guardado em uma vida que nem é minha. Para me lembrar do quão forte é a minha ligação com a terra tão cantada em que nasci, basta escutar alguma música dos baianos que embalaram os anos 80 e 90 em todos os cantos de salvador. Sim, porque na “terra da magia” qualquer lugar é lugar para a música, para os timbaus, para dançar.

No ônibus, quem senta no fundão assume o posto de cantador. Sem cerimônia, o baiano solta o repertório na ponta da língua e improvisa um batuque no assento da frente. Nas praias, as barraquinhas tratam de equipar as areias com caixas de som e alto falantes que fazem a trilha sonoras dos dias de sol perfumados com sal do mar, acarajé e peixe. Nas escolas, o recreio também tem música, e até um trabalho de colégio pode ser musical. A criatividade conta ponto.

A música me lembra as primeiras festas com as amigas, para as quais nos preparávamos com antecedência, ensaiando os passos juntas para acertar a coreografia. A música da Bahia não precisa ter letra. É muito mais do que melodia. É uma cultura, um estilo de vida ensina qualquer baiano, desde o seu primeiro mar, a ser espontâneo, a dançar quando tiver vontade, a falar alto e transmitir alegria.

Quando escuto estrofes como “Ah, que bom você chegou, bem-vindo a Salvador...” ou “Timbalada é a semente de um novo dia, nordeste sofrimento, povo lutador”, o coração responde imediatamente. Dá vontade de botar os pés na areia, voltar a ser baiana, dançar na rua e chorar com o trio elétrico.

Uma música:
Beira Mar
(acho que é do Gil)

Na terra em que o mar não bate
Não bate o meu coração
O mar onde o céu flutua
Onde morre o sol e a lua
E acaba o caminho do chão

Nasci numa onda verde
Na espuma me batizei
Vim trazido numa rede
Na areia me enterrarei
Na areia me enterrarei

Ou então nasci na palma Palha da palma no chão
Tenho a alma de água clara
Meu braço espalhado em praia
Meu braço espalhado em praia
E o mar na palma da mão N
o cais, na beira do cais
Senti meu primeiro amor
E num cais que era só cais
Somente mar ao redor
Somente mar ao redor

Mas o mar não é todo mar
Mar que em todo o mundo exista
Ou melhor, é o mar do mundo
De um certo ponto de vista
De onde só se avista o mar
E a Ilha de Itaparica

A Bahia é que é o cais
A praia, a beira, a espuma
E a Bahia só tem uma
Costa clara, litoral
Costa clara, litoral
É por isso que é o azul
Cor de minha devoção
Não qualquer azul, azul
De qualquer céu, qualquer dia
O azul de qualquer poesia
De samba tirado em vão
É o azul que a gente fita
No azul do mar da Bahia
É a cor que lá principia
E que habita em meu coração
E que habita em meu coração

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Tudo pela profissão


Ainda da série Inferno Astral, cá estou eu em Imbituba, no WCT, principal campeonato de surf do mundo. Imprensa do mundo todo, surfistas pra todo o canto, tudo muito roots e coisa e tal. Esse, finalmente, seria um evento moleza. Mas, claro, jornalista tem mesmo é que passar trabalho.
Hotel, nem pensar. A hospedagem é uma casa em Ibiraquera, a uns 20 km da cidade, onde uma trupe divide quartos e tudo o mais. Chegar lá é uma aventura a parte, ainda mais após um dia inteiro de trabalho.Eu, particularmente, divido mesmo é a cama com uma colega do clicRBS que conheci no mesmo dia em que "dormimos juntas".
Apesar de tudo, juro que não peço mais folga após o episódio do post anterior.
Para minha sorte (sim, sorte!!), a minha “parceira” é gente boa e ainda filmou o nosso rali para conseguir ir e vir do local em que nos exilaram – a Terra do Nunca. Dá uma olhada:

Inferno astral



Tenho certeza de que inferno astral existe. Cuidado se você estiver no período de um mês que antecede o seu próximo aniversário, pode ser fatal. Comigo quase foi.
Depois de trabalhar mais de 20 dias sem folga em solo catarinense, dia e noite na Oktoberfest, a oferta de dois dias de folga em Porto Alegre parecia um milagre dos deuses e um sinal de sorte. Parti feliz e ignorante para o aerporto Hercílio Luz.
O cancelamento do vôo foi quase um aviso mas, ignorando o poder do inferno astral, desfiei a TAM e parti rumo à terrinha gaúcha. Mais feliz ainda, peguei meu carrinho (que estava completando 2 meses de vida) e coloquei dentro meus outros dois únicos bens: meu notebook e minhas roupas. Fora a minha preciosa vida, claro.
Pois eis que a fúria dos astros se manifestou e um assaltante levou três dos meus bens – o carro, o notebook e as roupas. Ele também queria minha vida, pelo jeito, mas essa eu consegui livrar fugindo (sim, heroicamente) pela porta do passageiro.
Como Deus é pai e faltava apenas pouco mais de uma semana para o meu aniversário, a sorte ficou com pena de mim e resolveu dar um toque para o bandido. Comovido, acho, ele decidiu deixar o carro e se contentar com o computador e todo o meu trabalho dos últimos 10 meses contido nele.
Mas amanhã é meu aniversário e vou lembrar de agradecer por poder comemorá-lo. Que venha agora o paraíso astral!

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Profissão: Repórter


A internet tem me salvado de perder algumas preciosidades da TV que, via de regra, passam depois que dois terços da população já estão dormindo, inclusive eu. Consigo chegar, no máximo ao horário nobre, mas os especiais, minisséries e programas diferenciados insistem em ser notívagos boêmios das madrugadas.

Embora seja admiradora de Caco Barcellos e sempre jure por Deus que desta vez vou assistir o Profissão Repórter, não consigo ultrapassar o Toma Lá Dá Cá. Aquilo é um teste de paciência e dá sono, muito sono. Para a minha sorte, o site do programa do Caco tem agora todos os vídeos, na íntegra, de todas as reportagens.

Quando estreou o programa, como muita gente, eu também desconfiei – parecia um desperdício de talento ( no caso, do veterano repórter). A expectativa era alta, mas o resultado parecia não ser o esperado. O negócio ia bem, num ritmo legal, com o texto infalível do Caco até que apareciam os jovens repórteres com “os bastidores da notícia, os desafios da reportagem”. Havia um abismo entre os pobres mortais e o "professor". A vontade de fazer o tal jornalismo investigativo tornava a missão forçada. Quase uma historinha brega de detetives. Sem falar nos textos. Não que eles fossem ruins, ou talvez até fossem. Mas perto do Caco, é covardia.

De uns tempos para cá, a equipe afinou. Sempre com mudanças e gente nova, o Profissão Repórter conseguiu achar uma fórmula e ficar mais “redondo”. Agora, o comandante da trupe “costura” as reportagens e dá o tom do programa. Parece que a linguagem também se tornou menos alarmista, os jovens perceberam que contar uma história, por mais investigativa que seja, é diferente de brincar de polícia e ladrão.

Para mim, um dos episódios mais marcantes foi sobre o mundo do sexo (08/07/08). Histórias incríveis foram mostradas e esse tema, banal e já tão explorado, foi abordado de uma forma crua e nua, literalmente, sem tarjas pretas. Até mesmo o experiente Caco Barcellos, que já conviveu em morros com traficantes e bandidos em seu livro Abusado, admitiu em uma entrevista recente que ficou “chocado e deprimido” com as cenas que presenciou. Ele acompanhou a gravação de um filme pornô, entrevistou os atores à caráter, entre as cenas, com a naturalidade de quem entrevista um político engravatado. Também contaram a história de uma senhora de 74 anos que ganha a vida na prostituição, em uma praça de São Paulo. Histórias surpreendentes e, ao mesmo tempo simples, muito bem contadas.

No programa sobre pessoas desaparecidas (25/08/08), mais um show de reportagem, com uma produção impecável, um cuidado pouco visto atualmente e uma edição criativa, dinâmica – que tem sido constante nos programas.

O Caco Barcellos tem esse poder de transformar o jornalismo em uma causa. É um artista da profissão e, confesso, me emociona. Segue o link para quem quiser conferir a 1ª parte do programa “Sexo”.
http://especiais.profissaoreporter.globo.com/programa/category/as-tercas-feiras/

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Histórias de boteco



Pérolas do Nito
Fim de noite no Bar do Nito. Apenas duas mesas ocupadas: um senhor melancólico bebendo sozinho, sentado bem em frente ao pequeno palco, e um casal. O Nito toca, acompanhado de um violão, cigarro e cerveja.

- Toca uma música aí para o casal. Uma música sentimental, sincera...
Bem... mas todas as músicas são sinceras, não é? – começa o velho.
- É. Todas as artes são sinceras... – filosofa o Nito.
- A filosofia é sincera...
- A ciência não, a ciência não é sincera.
- É verdade.
- A religião é sincera?
- Ah, acho que sim. Cada religião é sincera.
- É verdade...
- Então, com tanta sinceridade, chegamos a Chico Buarque. Toca um Chico aí pro casal.
- Não... Não quero tocar. Chico Buarque tem muita proparoxítona. Muita proparoxítona... Não gosto de proparoxítonas...


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Mulher indigesta

Música em homenagem a uma mulher que queria dançar no bar (no bar do Nito não se dança. Há 20 anos é assim: papo de mesa, boa música e cerveja):

“ Mas que mulher indigesta!Merece um tijolo na testa
Essa mulher não namora
Também não deixa mais ninguém namorar
É um bom center-half pra marcar
Pois não deixa a linha chutar
E quando se manifesta
O que merece é entrar no açoite
Ela é mais indigesta do que prato de salada de pepino à meia-noite
Essa mulher é ladina
Toma dinheiro, é até chantagista
Arrancou-me três dentes de platina
E foi logo vender no dentista”
( Mulher indigesta - Noel Rosa)

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Poema de Natal, Vinícius de Moraes

A frase do poeta na parede do bar:

“De repente nunca mais esperaremos Hoje
a noite é jovem, da morte apenas nascemos, imensamente”.

- Não entendi aquela frase ali do Vinícius.
- Não é pra entender. É poesia.
- Não tá faltando um ponto ali?
- Nada... vai querer botar ponto no Vinícius? Isso é licença poética.
- Licença poética... Mas deveria ser: “De repente nunca mais esperaremos hoje. A noite é jovem; da morte, apenas nascemos, imensamente”. Tem um aposto ali ou um vocativo...
- Deixa o Vinícius. Vamos mudar de frase...


“ De repente nunca mais esperaremos...Hoje a noite é jovem; da morte, apenasNascemos, imensamente”.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

GRENAL

Acho que vou ter que torcer para o Grêmio. Embora não seja gaúcha, é grande a pressão para que eu defina um time para o qual torcer, após quase 10 anos em Porto Alegre. Aqui é assim: é preciso ser uma coisa ou outra. Gremista ou colorado.

Difícil escolher assim, observando desempenhos, sem o critério emocional. Num ano, o Inter vence o Mundial de Clubes, vence o campeonato gaúcho, dá show de bola e o Grêmio parece que vai cair para a segunda divisão. No ano seguinte, o Grêmio conquista um aproveitamento invejável no brasileirão, vence todos os jogos, e o Inter só dá vexame. Dinâmico esse negócio de futebol...

Com um namorado doente pelo Inter, confesso que estava me deixando influenciar. No início, não queria que perdessem para ele não ficar com aquele mal-humor típico do pós-derrota. Depois, acompanhando um jogo aqui, outro ali, já me pegava comemorando gols. Até que fui com ele num Grenal. O primeiro da minha vida. Momento histórico.

O problema é que este é o ápice das emoções futebolísticas para ambas as torcidas. Para uma mulher que não é tomada de amores por um time e está “sóbria” emocionalmente, é desanimador ver o estado em que os homens ficam. Eles pulam de um jeito meio descompassado, sem abraçam e se beijam sem o menor pudor, xingam e gritam loucamente, desfazendo qualquer vestígio anterior de inteligência ou maturidade.

Ver o próprio namorado, aquele cara que você tanto admira, o homem que tantas vezes pareceu superior que os demais, naquele estado, é uma experiência desconcertante. Complicado para ele também, que conhece minhas idéias e, nesse Grenal, fez de tudo para se conter e não assustar a namorada.

Para o bem da relação e em respeito à liberdade de torcedor do moço, melhor ele ir ao Gigantinho e eu ao Olímpico.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O poder das festinhas do trabalho


Você nunca mistura cerveja, vinho e champanhe numa mesma noite. Detesta o funk da moda e jamais faria a coreografia da “Dança do Créu” em público (sobretudo se o público é formado por pessoas do seu convívio profissional). Tem coisas que você não faz, ou pelo menos evita. Mas é justamente nas festas do trabalho que acaba fazendo. É sempre assim. E o efeito é coletivo – quem nunca “se passou” numa dessas festinhas?

Por mais que a Glória Kalil dê dicas no Fantástico, os mais velhos aconselhem sobre os perigos desse tipo de confraternização e até a sua consciência entre em ação lembrando que o dia seguinte sempre existe, você sempre enfia o pé na jaca.

Tem aqueles que bebem demais e ficam chatos. Os que bebem demais e ficam ainda mais legais, os que sobem na mesa, os que esquecem seu estado civil quando alcoolizados ou que mostram um lado da personalidade, digamos, desconhecido. E tem os que não bebem. Aí está o perigo.... Os que passaram a festa toda sóbrios, observando, sem se comprometer. Esses são os mais perigosos...

sexta-feira, 25 de julho de 2008

De Narciso pra cá


Devo estar ficando velha. Ou pior, careta, desatualizada. Não consigo entender essa história de metrossexual. Olho para um e pimba! Já acho que é gay. Nenhum preconceito, mas é que eles costumam fazer sucesso com as mulheres, e é aí que eu me sinto velha.
De acordo com um site pró-metrossexualismo, “a palavra metrossexual é nada mais nada menos que a junção de metropolitano e heterossexual, sendo o seu significado um homem urbano que cuida excessivamente da sua aparência, investindo em boas marcas de roupa, cabeleireiros (em vez dos costumeiros barbeiros), manicure, pedicure, estética a vários níveis, como cosméticos, depilação, bons perfumes, etc”.
Pode até ser uma visão machista, mas tanto narcisismo me parece estranho... Homem deve se preocupar com aparência, sim. Barriguinha de cerveja, por exemplo, não dá. Meia preta com bermuda também é triste, concordo. Mas homem indo ao salão de beleza, dando palpites sobre moda e, pior, se dizendo metrossexual é demais para mim.
Fui acusada, inclusive, de “estar acostumada com homens grossos”, justamente porque não achei bonito um "metropolitano" que causou alvoroço na mulherada. Acostumada com homem grosso, eu??? Arf!!
Mas bem, gurias, melhor assim. Nunca iremos disputar o mesmo homem, ou melhor, metrossexual. De qualquer forma, a mitologia grega dá pistas...
Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu do contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de todo da idéia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem”.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Legítima notícia

Já diziam os professores de jornalismo: se um cachorro morde uma pessoa, não é notícia. Agora, se uma pessoa morde o cachorro, aí sim é notícia - em uma referência ao caráter inusitado do fato jornalístico. Com essa onda de pit bulls estraçalhando gente por aí, o "comum", neste caso, é notícia sim. Mas, quem diria, eis um legítimo fato jornalístico, saído da metáfora das aulas para os jornais:


Fonte: Jornal Zero Hora

terça-feira, 22 de julho de 2008

Um dia comigo

Já cansei de escutar que trabalhar na praia, na serra, em eventos, não é trabalho. “Ah, que vida boa. Isso é que é trabalho”, dizem. Pois bem. Eis o relato de apenas um dia de “não trabalho”na Estação Gramado.

Sexta-feira. Final de semana à vista, ou seja, mais trabalho. Neste caso, show do Luiz Melodia no sábado, ator Mário Frias na pista de patinação no gelo, no domingo. Às 8h30 o trabalho já começou. Abro o jornal, vejo que o colunista de uma das páginas mais lidas trocou as bolas com as informações. Assessora de imprensa entra em ação. Ok, tem errata amanhã.

Repórter da rádio liga para a assessora que sugere uma entrevista com o Luiz Melodia. Repórter da rádio:

- Ah sei, ouvi falar. É um cara que trabalha na prefeitura e canta bem, né?
Aiiiiiii…..
E assim passa o dia. Entre computador, textos, evento, repórteres ligando para assessora, assessora ligando para repórteres. Revistas, muitas revistas nacionais. Tem que bombar…
Noite, 20h30, começa um programa de TV ao vivo. Fome. Temperatura caindo, nada de banho. Produtores surtando, os turistas de Fortaleza que não chegam. Atucanação. Assessora de imprensa com fome decide comprar pão caseiro na Casa do Colono. Celular toca. Alguém desesperado gita:
- Corre aqui...

Assessora sai correndo.

Havia um degrau no meio do caminho. Já era. Pé torcido, mas vamos lá. Mais uns incêndios apagados, é hora de comer. Banho, ainda não. São 22h.
Restaurante chique francês, fondue, vinho. Equipe reunida, brindando, chefe proibido de falar de trabalho. O pé torcido na bota começa a incomodar… Ops, não dá para encostar o pé no chão. Ai, o pé não cabe mais na bota! (Assessora de imprensa com pé engessado, sem carro, em evento, não dá! Tem mais 1 mês pela frente. Agüenta firme…)

Fim do dia: assessora de imprensa descalça em restaurant chique, com o pé no gelo. Sai carregada, com a bota na mão. Cadê a meia? O garçom levou por engano.
1h30 do dia seguinte: assessora volta para a pousada carregada pelo chefe (vergonha…). Preces da assessora : Deus, por favor, faz meu pé melhorar, amanhã tem Luiz Melodia.

A primeira vez


Tem coisas que só o jornalismo faz por você



Lembro de estar na sala de minha casa, em um condomínio em Salvador, devia ter uns 5 anos de idade. A televisão estava ligada no Jornal Nacional. Diferentemente do que acontecia todas as noites, meus pais e meus irmãos não estavam na sala acompanhando o telejornal. Costumava ser um momento de reunião da família, até por que os filhos, ainda pequenos demais, pouco queriam saber do jornal. O pai pedia silêncio enquanto ouvia as notícias e nos intervalos a bagunça era permitida. Nesse dia, não lembro bem a razão, mas estávamos só eu e minha mãe, ela na cozinha e eu na sala. Foi aí que aconteceu a cena que se tornou a primeira lembrança que tenho da vontade de ser jornalista: eu ali, sentada em frente à TV, comecei a imitar o que a apresentadora falava, repetindo frase por frase, tentando acertar também na entonação e nos trejeitos.

Não sei se foi naquele instante que decidi ser jornalista. Provavelmente, não. Mas de fato, me lembro do fascínio que sentia quando via reportagens, telejornais, apresentadores de televisão. Naquela época, pelos anos de 1988, jornal, rádio ou revistas ainda não existiam para mim. Alguns anos depois, outra lembrança. Estava na sexta ou sétima série, nas aulas de redação. Como nunca gostei de matemática ou física, nem mesmo de educação física, sabia que jamais poderia ser médica ou engenheira. Gostava das aulas de história e redação, e começava a saborear o gostinho de um texto bem escrito. Foi em uma dessas aulas que li “A velhinha de Taubaté”, de Luis Fernando Veríssimo. Depois, me recordo de “Capitães de Areia”, de Jorge Amado, forte e irresistível. O prazer daquelas leituras e o humor do texto de Veríssimo provocaram o meu gosto pelas palavras. E a cada encontro como aqueles, com textos e histórias contadas brilhantemente, a vontade de ser jornalista foi se manifestando. Embora um escritor não seja, necessariamente, um jornalista, creio que um bom jornalista tem algo de escritor.

Ainda diziam que eu seria advogada, uns vizinhos ou parentes, tão respondona e cheia de argumentos que era. Vou fazer jornalismo - respondia sem hesitar à pergunta que faziam sobre o vestibular. Quando entrei para o Ensino Médio, minha família se mudou para uma cidadezinha de Santa Catarina. Veio o vestibular, sem que eu tivesse uma só vez me questionado com relação à minha escolha profissional. Passei, fui morar em Porto Alegre e cursar a Faculdade de Comunicação Social da PUCRS. Cheia de idealismos, de opinião e alheia à rotina do mercado, cheguei sem saber o que realmente faz um jornalista. Não sabia quanto ganha um profissional, como funciona uma redação, que existe um editor, uma área comercial nas empresas, que existe assessoria de imprensa.

Durante a faculdade, fiz estágios, passei por edição de vídeo, impresso, assessoria de imprensa e rádio, morei fora do país. Conheci jornalistas maravilhosos, profissionais que engrandecem a profissão e outros que, pelo contrário, a desmerecem. Descobri que o jornalismo não é exatamente o que eu pensava, mas que fiz a escolha certa. Porque o mundo da comunicação é fascinante, porque o jornalismo nos proporciona o contato com diversos mudos – da política às artes, da agricultura às cidades (como diz a Bibi, “tem coisas que só o jornalismo faz para você. Para todas as outras, existem Mastercard”). Jornalismo é aventura e, ao mesmo, tempo, frustração pela busca infinita da melhor representação do real.

Ser jornalista é quase um estado de espírito, e não apenas um ofício, daqueles que a pessoa vai o trabalho, cumpre suas funções, termina o expediente e volta para casa. A gente “vira” jornalista e não consegue mais separar a “pessoa jurídica” da “pessoa física”.