sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A menina da foto


Não me lembro da menina que segura a galinha na foto. Me lembro sim da galinha, embora a memória seja tão pouco nítida que não me permita saber se era galo ou, de fato, galinha. Lembro do coqueiro, naquele pátio ensolarado, cheio de bichos, da casa em um bairro sem asfalto, na Bahia. Me recordo bem daquela saia rosa com manhchas coloridas, chamada de saia de lambada, usada até a última linha. Estranhamente, só não lembro da menina e deste dia em que ela segurava a galinha (ou galo), olhando para a foto tirada pelos avós. Estranho... porque a menina da foto sou eu.

Deve ter sido em 1992, talvez 91. Quando vi a foto, que estava há uns 16 anos guardada com a minha avó, me dei conta de que eu era o tipo de menina que segurava galinha no colo, dava beijo nos pêlos dos cachorros e não conseguia calçar um sapato. Criava fantasias no zoológico particular do jardim de casa - uma princesa presa em seu castelo de muros altos, conversando com os animais e representado para si mesma.

Muitas crianças fazem isso, é verdade. Mas como eu tinha esquecido de mim mesma? Por que aquela da foto me causou tanta estranheza? Acho que ela, a menina da foto, se visse uma foto de mim, neste ano de 2008, também ficaria em espantada. Naquela época, não sabíamos que a vida se encarrega de transformar a gente. E o faz incontáveis vezes.
Uma vida dentro da outra, assim é a vida. O triste é que, com o tempo, muitos desses pedaços felizes da nossa existência se tornam fotos esmaecidas, pouco reais. Momentos intensos, pessoas importantes, alegrias e tristezas - tudo resquícios de uma outra encarnação, tão distante que mal conseguimos lembrar.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Daquelas...

Sou daquelas que vira o pé na rua bem quando tem alguém olhando, mesmo usando chinelos. Derramo cerveja, vinho ou água, assim como palavras que, por vezes, não deveriam ser esparramadas. Não memorizo nomes e, pior que isso, reinvento as pessoas de acordo com a cara. Não sou discreta, nem elegante. Atravesso portas de vidro, bato de cabeça nos postes, falo sozinha e finjo que só estava cantando. Esqueço o presente no aeroporto, chego na festa de mãos vazias, pela contramão. Perco a mala, a calma, a cabeça, a razão. Impulsiva, salto do carro, me jogo na vida, vivo novela e choro no final. O extremo do final ao começo, por capítulos.